terça-feira, 14 de junho de 2016

Centro espirita

A conquista de si mesmo

Reflexões sobre Transfiguração

Segundo o dicionário [1], transfiguração vem do latim transfiguratione, e significa ato ou efeito de transfigurar(-se). Decompondo a palavra, temos o prefixo trans, que significa [2] além de, para além de, em troca de, através e o radical figuração, também do latim, figuratio, significando configuração, forma, figura. Assim, o termo “transfiguração” traduziria a ideia de uma forma que vai além, que vai através, que vai em troca de.

O dicionário ainda [1] nos esclarece que o termo transfiguração é “uma mudança radical na aparência, no caráter, na forma; transformação, metamorfose. Transformação espiritual que exalta ou glorifica. Estado glorioso em que apareceu Cristo aos apóstolos sobre o monte Tabor”.
A transfiguração, portanto, traduz tanto uma transformação física (mudança na aparência, na forma) como uma mudança mais sutil, no caráter, na parte espiritual, e neste caso, uma transformação para o bem, que exalta ou glorifica. Destaca-se ainda nesta definição a passagem evangélica da Transfiguração de Jesus, que veremos oportunamente neste texto.
Em O Livro dos Médiuns [3], no item 122, Allan Kardec nos define transfiguração como fenômeno que “consiste na mudança do aspecto de um corpo vivo”.
Pela definição de Kardec, a transfiguração é uma mudança de aspecto que pode ser bem pequena, quase imperceptível ou ainda muito grande, como a de Jesus, registrada pelos evangelistas.
Definido o termo, observa-se que a transfiguração pode ter efeitos diferentes e, portanto, causas diversas. Neste estudo, sugerimos uma classificação do fenômeno da transfiguração, baseada no critério da causa.
Sobre as causas da transfiguração
Os sistemas de classificação surgiram para organizar o conhecimento e são baseados em determinado critério, que, dentro do nosso nível de conhecimento, não pode ser considerado como absoluto.
Neste estudo sobre transfiguração utilizamos como critério classificatório a causa, ou seja, o que está promovendo a mudança do aspecto de um corpo vivo, relembrando a definição de Kardec.
Encontramos assim três causas, que descrevemos a seguir.
Primeira causa: corpo físico
A primeira causa foi descrita por Kardec, no item 123 de O Livro dos Médiuns [3], como sendo “simples contração muscular, capaz de dar à fisionomia expressão muito diferente da habitual, ao ponto de tornar quase irreconhecível a pessoa”.
Esse tipo de transfiguração baseado apenas em mudanças musculares no corpo físico é a mais conhecida. Ao observarmos uma pessoa muito feliz, costumamos utilizar a palavra “radiante”. Todo o semblante da pessoa se modifica... É possível constarmos essa mudança registrada em fotos de momentos muito felizes de nossa vida. Há que se considerar também que nem sempre nossas emoções são tão sublimes; quando ficamos enfurecidos há também mudança de fisionomia a ponto de nos tornarmos irreconhecíveis. Naturalmente, esse tipo de mudança de aspecto para uma aparência negativa, que assusta, devemos evitar.
Segunda causa: perispírito
A segunda causa para a transfiguração foi apresentada pelo Codificador em O Livro dos Médiuns [3], ainda no item 123, e também em A Gênese [4]: trata-se da teoria do perispírito ou a irradiação fluídica do perispírito.
O que é perispírito?
Encontramos o termo “perispírito”, palavra criada por Allan Kardec, em muitas obras da Codificação, aparecendo pela primeira vez em O Livro dos Espíritos [5]. Nesta obra, os Espíritos Superiores informam que o perispírito é “uma substância, vaporosa para os teus olhos, mas ainda bastante grosseira para nós (...). Tem a forma que o Espírito queira.” Allan Kardec, comentando esta resposta, nos diz que o perispírito “serve de envoltório ao Espírito propriamente dito”; e que, do mesmo modo que, envolvendo o gérmen de um fruto, há o perisperma, por comparação, envolvendo o Espírito, há o perispírito.
Nós, como encarnados, ou seja, com um corpo físico, somos compostos por três partes – a primeira, nós mesmos (Espírito); a segunda, um corpo menos material que o corpo físico, mas ainda bastante grosseiro (perispírito), e a terceira, o corpo físico. Quando desencarnamos, deixamos o corpo físico e prosseguimos nossa jornada evolutiva sempre sendo Espírito, envolvido por um corpo chamado perispírito.
O perispírito: suas propriedades e modificações
Em O Livro dos Médiuns [6], no seu capítulo VI, que trata das manifestações visuais, no item 100, Allan Kardec propõem, entre outras questões, a de número 21ª - Como pode o Espírito fazer-se visível?
“O princípio é o mesmo de todas as manifestações, reside nas propriedades do perispírito, que pode sofrer diversas modificações, ao sabor do Espírito.”
Na obra A Gênese [7], Kardec nos esclarece que o perispírito é o corpo fluídico dos Espíritos e que a sua natureza está sempre de acordo com o grau de adiantamento moral do Espírito. Este envoltório perispirítico se modifica com o progresso moral que o Espírito realiza em cada encarnação. Assim, esse corpo fluídico vai se modificando de acordo com a elevação moral do Espírito: quanto mais evoluído, mais sutil, menos denso é esse perispírito.
Além da modificação do perispírito de acordo com o seu nível evolutivo, há alterações que podem ocorrer por influência do Espírito, dentro de um mesmo nível evolutivo. Tal o princípio das manifestações físicas, conforme nos esclareceram os Espíritos em O Livro dos Médiuns [6].
O perispírito de encarnados e desencarnados
Em Obras Póstumas [8], que é composto por estudos que Allan Kardec estava fazendo enquanto encarnado e que foram reunidos e publicados após a sua desencarnação, em sua Primeira Parte, abordando o tema Manifestações dos Espíritos, no parágrafo 3º, item 22 – Transfiguração, o Codificador nos diz que:
“O perispírito das pessoas vivas goza das mesmas propriedades que o dos Espíritos. Como já foi dito, o daquelas não se acha confinado no corpo: irradia e forma em torno deste uma espécie de atmosfera fluídica.”
Entendemos que, estando desencarnado, o que envolve o Espírito é o perispírito, que tem diversas propriedades e pode sofrer modificações... Segundo nos esclarece Kardec nesta passagem, o perispírito dos encarnados irradia além do corpo físico e forma em torno deste corpo físico uma espécie de atmosfera fluídica. Allan Kardec, neste mesmo estudo em Obras Póstumas, havia exposto que o perispírito não se acha encerrado nos limites do corpo como numa caixa. Pela sua natureza fluídica, ele é expansível, irradia para o exterior e forma, em torno do corpo, uma espécie de atmosfera, que o pensamento e a força de vontade podem dilatar mais ou menos.
Após esse breve resumo sobreo o perispírito, voltemos a analisar a segunda causa do fenômeno de transfiguração, a teoria do perispírito ou a irradiação fluídica do perispírito. Em O Livro dos Médiuns [3], Capítulo VII, item 123, o Codificador esclarece:
“Está admitido que o Espírito pode dar ao seu perispírito todas as aparências; que, mediante uma modificação na disposição molecular, pode dar-lhe a visibilidade, a tangibilidade e, conseguintemente, a opacidade.”
Da mesma maneira que nós, num laboratório, podemos manipular as substâncias e dar-lhes propriedades diferentes das que tinham antes, o Espírito pode modificar o perispírito, dando-lhe visibilidade, ou seja, tornando-se visível, de acordo com as modificações que o Espírito faça no seu perispírito. Pode também tornar-se tangível, isto é, passível de ser tocado, e pode tornar-se opaco, não deixando que possamos ver através dele.
Ainda no mesmo texto, Kardec nos diz:
“Figuremos agora o perispírito de uma pessoa viva (...) irradiando-se em volta do corpo, de maneira a envolvê-lo uma espécie de vapor. (...) Perdendo ele a sua transparência, o corpo pode desaparecer, tornar-se invisível, ficar velado (...)”       
Quando Kardec refere-se a “uma pessoa viva”, entendemos “um encarnado”. O perispírito do encarnado começa a se irradiar, porque ele não está confinado no corpo físico. Essa irradiação forma, por comparação, uma “nuvem de vapor”, e não conseguimos mais ver o corpo físico, que desaparece no meio daquela “nuvem”.
Continua o Codificador, ainda na mesma referência já citada:
“Poderá então o perispírito mudar de aspecto, fazer-se brilhante, se tal for a vontade do Espírito e se este dispuser de poder para tanto.”
Assim, o fenômeno de transfiguração que tem por causa a irradiação fluídica do perispírito ou a teoria do perispírito se processa da seguinte forma: o perispírito de alguém encarnado se expande, se irradia, cobre o seu corpo físico de modo a deixá-lo invisível e, dependendo da vontade do Espírito e do seu grau evolutivo, o Espírito (mesmo estando encarnado) pode torná-lo brilhante, pois, quanto mais evoluído o Espírito, tanto maior o seu poder para operar modificações no perispírito.
Ainda sobre a teoria do perispírito ou irradiação fluídica do perispírito, Kardec explica, em A Gênese [4], capítulo XIV, que trata dos fluidos, item 39:
“Pode a imagem real do corpo apagar-se mais ou menos completamente sob a camada fluídica, e assumir outra aparência; ou então, vistos através da camada fluídica modificada, os traços primitivos podem tomar outra expressão.”
O corpo físico é envolvido por uma camada fluídica – e utilizamos aqui a comparação com a camada de vapor, e pode assumir outra aparência ou os traços primitivos podem assumir outra expressão, quando olhamos através daquela camada fluídica.
A palavra transfiguração no sentido de “uma forma que vai através”, “que vai em troca de” fica mais compreensível quando entendemos o fenômeno da expansão do perispírito e sua mudança de propriedades.
Ainda em A Gênese [4], Kardec conclui que:
“Se, saindo do terra-a-terra, o Espírito encarnado se identifica com as coisas do mundo espiritual, pode a expressão de um semblante feio tornar-se bela, radiosa e até luminosa; se, ao contrário, o Espírito é presa de paixões más, um semblante belo pode tomar um aspecto horrendo.”
Jesus, na transfiguração descrita nos Evangelhos, e não poderíamos supor de outra maneira, dada a sua evolução, estava nessa condição de Espírito que se identifica com as coisas do mundo espiritual – daí a luminosidade, a transfiguração luminosa!
Do mesmo modo, de acordo com a nossa vontade, se estamos presos a paixões más, tomamos um aspecto horrendo. Neste caso, não mais apenas por uma contração muscular, não apenas um fenômeno do corpo físico, mas temos a participação do perispírito se irradiando e promovendo, de acordo com a vontade do Espírito, o aspecto determinado.
Terceira causa: perispírito, com atuação de outro Espírito
Em o Livro dos Médiuns [3], no Capítulo VII, que fala da Bicorporeidade e da Transfiguração, no item 122 Kardec narra um fato, ocorrido em Saint-Etienne, de 1858 a 1859. Diz ele:
“Uma mocinha, de mais ou menos 15 anos, gozava da singular faculdade de se transfigurar, isto é, de tomar, em dados momentos, todas as aparências de certas pessoas mortas. Tão completa era a ilusão, que os que assistiam ao fenômeno julgavam ter diante de si a própria pessoa, cuja aparência ela tomava, tal a semelhança dos traços fisionômicos, do olhar, do som da voz e, até da maneira particular de falar.”
Aqui observamos um fenômeno um pouco diferente do descrito anteriormente. A mocinha não apenas mudava de aspecto físico, mas tomava tanto o aspecto quanto outras características, como o som da voz e a maneira particular de falar de outras pessoas, que já tinham desencarnado (mortas), conforme o texto.
Kardec continua, na mesma referência já citada [3]:
“Tomou, em várias ocasiões, a aparência de seu irmão, que morrera alguns anos antes. Reproduzia-lhe não somente o semblante, mas também o porte e a corpulência. Um médico do lugar, testemunha que fora, muitas vezes, desses estranhos efeitos, pesou a moça no estado normal e no de transfiguração. (...) Verificou-se que no segundo estado o peso era quase o duplo do seu peso normal.”
Observando a narrativa vemos que ela tomava a aparência do irmão, que tinha desencarnado alguns anos antes – ora, se era alguns anos antes, e ela tinha 15 anos, podemos supor que os dois viveram juntos quando encarnados, eram contemporâneos, não sendo possível que a moça tivesse sido aquele seu irmão em uma encarnação passada. Logo, não era um fenômeno apenas do encarnado, mas havia a interferência de um desencarnado, no caso, seu irmão.
A atitude do médico do lugar, que também assistia ao fenômeno, foi fundamental para nos auxiliar a entendê-lo melhor. Ele teve a ideia de pesar a moça em seu estado normal e pesá-la quando estava transfigurada no irmão e os pesos foram diferentes, de quase o dobro um do outro.
Como se explica isso?
Pela terceira causa do fenômeno da transfiguração que é a teoria do perispírito ou da irradiação fluídica do perispírito com combinação de fluidos de Espíritos diferentes.
Em o Livro dos Médiuns [3], mesmo capítulo, item 123, Kardec nos explica:
“Um outro Espírito, combinando os seus fluidos com os do primeiro, poderá, a essa combinação de perispíritos, imprimir a aparência que lhe é própria, de tal sorte que o corpo real desapareça sob um envoltório fluídico exterior, cuja aparência pode variar à vontade do Espírito.”
Lembremo-nos da teoria do perispírito ou irradiação fluídica do perispírito: o perispírito do encarnado se expande, envolve todo o seu corpo físico e, de acordo com a vontade da pessoa, pode tomar aparência diversa da que tinha antes, pode até tornar-se luminoso. Neste caso, ao expandir seu perispírito, este entra em combinação com o perispírito de um desencarnado (no caso em análise, o perispírito da moça entra em combinação com o perispírito do seu irmão), e o desencarnado passa a assumir o comando da atividade, imprimindo àquela combinação de perispíritos a sua aparência, de acordo com a sua vontade. Daí poder se pesar a moça transfigurada e medir-se o peso do irmão, porque havia combinação de fluidos.
Resumindo, segundo a classificação que se baseia no critério causa do fenômeno de transfiguração, temos três causas diferentes: a simples contração muscular, a irradiação fluídica do perispírito e a irradiação fluídica do perispírito com combinação de fluidos de Espíritos diferentes.
Sobre os tipos de transfiguração
Vale ressaltar que temos tipos, efeitos de transfiguração diferentes – seria um outro tipo de classificação, conforme Kardec nos esclarece na já citada Obras Póstumas [8], no item 22:
“O fenômeno da transfiguração pode operar-se com intensidades muito diferentes, conforme o grau de depuração do perispírito, grau que sempre corresponde ao da elevação moral do Espírito. Cinge-se às vezes a uma simples mudança no aspecto geral da fisionomia, enquanto que doutras vezes dá ao perispírito uma aparência luminosa e esplêndida.”
E é ainda em Obras Póstumas [8] que Kardec vem nos auxiliar na imensidade de questões que surgem quando começamos estudar mais a fundo os fenômenos de transfiguração, quando diz, agora no item 23:
“Estes fenômenos talvez pareçam singulares, mas somente por não se conhecerem ainda as propriedades do fluido perispirítico. Este é, para nós, um novo corpo, que há de possuir propriedades novas e que não se podem estudar senão pelos processos ordinários da Ciência, mas que não deixam, por isso, de ser propriedades naturais, só tendo de maravilhosa a novidade.”
Aí está um novo campo de estudos, o perispírito, que, como disse Kardec, exige os processos ordinários da Ciência – ou seja, da mesma forma que ninguém aprende biologia, ou mecânica quântica apenas por assistir a uma palestra ou ler um livro, é necessário um pouco mais de dedicação, de estudo, de pesquisa, para se aprofundar no conhecimento das propriedades do fluido perispirítico.
Parece maravilhoso, e é algo mesmo de se deslumbrar um fenômeno deste tipo, mas não é sobrenatural, pois está perfeitamente dentro das leis da natureza, que nós ainda não conhecemos em plenitude.
A Transfiguração de Jesus
A Transfiguração mais importante, mais famosa que conhecemos é a narrada pelos Evangelhos, a Transfiguração de Jesus. Este fenômeno é descrito tanto por Marcos, no capítulo 9, versículos 2 a 9, por Lucas, também no capítulo 9, versículos 28 a 36 e por Mateus, que foi a narrativa que escolhemos, no capítulo 17, versículos 1 a 9. Segundo o texto de Mateus, alguns dias antes Jesus começou a preparar os discípulos para os acontecimentos de Jerusalém, e convidou Pedro, Tiago e João a subir a um alto monte e, segundo a narrativa de Mateus:
“E transfigurou-se diante deles; e o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes se tornaram brancas como a luz.” (Mateus 17:2)
Pintura: The Transfiguration. Autor: Carl Heinrich Bloch. Ref.: http://www.carlbloch.org/
Jesus, o ser mais evoluído que já veio à Terra, podia, por sua vontade, atuar no seu perispírito livremente. Neste momento narrado nos Evangelhos, Jesus expandiu seu perispírito, que se mostrou brilhante, tal qual deve ser o natural de todos os Espíritos evoluídos.
Encontramos este comentário em A Gênese [9], capítulo XV – os milagres do Evangelho, item 44:
“(...) De todas faculdades que Jesus revelou, nenhuma se pode apontar estranha às condições da humanidade e que se não encontre comumente nos homens, porque estão todas na ordem da Natureza. Pela superioridade, porém, da sua essência moral e de suas qualidades fluídicas, aquelas faculdades atingiam nele proporções muito acima das que são vulgares.”
Assim, tudo o que Jesus fez, podemos fazer (João 14:12), desde que nos melhoremos, nos aperfeiçoemos, pois tudo o que ele fez, não destruindo a lei, está na lei, está na Natureza.
Outros exemplos de transfiguração
Encontramos ainda outros exemplos de transfiguração na Bíblia.
“E aconteceu que, descendo Moisés do monte Sinai trazia as duas tábuas do testemunho em suas mãos, sim, quando desceu do monte, Moisés não sabia que a pele do seu rosto resplandecia, depois que falara com Ele.” (Êxodo 34:29)
“Assim, pois, viam os filhos de Israel o rosto de Moisés, e que resplandecia a pele do seu rosto; e tornava Moisés a pôr o véu sobre o seu rosto, até entrar para falar com Ele.” (Êxodo 34:35)
Temos aqui um exemplo de transfiguração luminosa e duradoura, pois a luminosidade de Moisés era tão aparente a ponto de ele ter de andar com um véu sobre o rosto. Pela narrativa, após o contato com a Espiritualidade superior, recebendo os dez mandamentos, Moisés estava nessa condição que vimos anteriormente neste estudo, de sair do terra-a-terra e se identificar com as coisas do mundo espiritual.
Transfiguração no plano espiritual
A transfiguração também ocorre no plano espiritual, já que é um fenômeno relacionado ao perispírito e Espírito desencarnado também tem perispírito. Alguns exemplos narrados pelo Espírito André Luiz, pela mediunidade de Francisco Cândido Xavier:
Transfiguração de Alexandre [10]
“Nesse instante, Alexandre silenciou, mantendo-se, então, em muda rogativa. Admirado, comovido, notei que o generoso instrutor se transfigurava, ali, aos nossos olhos. Pela primeira vez, depois de meu retorno ao novo plano, observava acontecimento tão singular. Suas vestes tornaram-se de neve radiosa, sua fronte emitia intensa luz e de suas mãos estendidas evolavam-se raios brilhantes que, caindo sobre nós, pareciam infundir-nos estranho encantamento. Profunda emoção dominou-me o íntimo e quase todos nós, sem definir a causa daquelas divinas vibrações, chorávamos de alegria, contendo o peito opresso de júbilo inesperado.”
Transfiguração de Ismália e outros trabalhadores [11]
“Observando-a, por um momento, reparei que a esposa de Alfredo se transfigurara. Luzes diamantinas irradiavam de todo o seu corpo, em particular do tórax, cujo âmago parecia conter misteriosa lâmpada acesa.”
“Em vista da ligeira pausa que imprimira a oração, observei a nós outros, verificando que o mesmo fenômeno se dava conosco, embora menos intensamente. Cada qual parecia, ali, apresentar uma expressão luminosa, gradativa.”
“As senhoras que acompanhavam Ismália estavam quase semelhantes a ela, como se trajassem soberbos costumes (trajes) radiosos, em que predominava a cor azul. Depois delas, em brilho, vinha a luz de Aniceto, de um lilás surpreendente. (...), Vicente e eu, mostrávamos fraca luminosidade, a qual, porém, nos enchia de brilho intenso, considerando que a maioria dos cooperadores em serviço apresentava o corpo obscuro, como acontece na esfera carnal.”
Transfiguração em nós
Por fim, além de todo o conhecimento que vamos adquirindo a respeito do perispírito, o fenômeno da transfiguração de Jesus traz algum outro ensinamento para nós? Este questionamento foi feito para o benfeitor Emmanuel, nos seguintes termos [12]:
“310 – A transfiguração do Senhor é também um símbolo para a Humanidade?
Todas as expressões do Evangelho possuem uma significação divina e, no Tabor, contemplamos a grande lição de que o homem deve viver a sua existência, no mundo, sabendo que pertence ao Céu, por sua sagrada origem, sendo indispensável, desse modo, que se desmaterialize, a todos os instantes, para que se desenvolva em amor e sabedoria, na sagrada exteriorização da virtude celeste, cujos germes lhe dormitam no coração.”
Almejamos que este estudo sobre a transfiguração nos estimule cada vez mais ao desenvolvimento de nós mesmos, ao nosso aperfeiçoamento, pela prática do bem e do amor, conforme sempre nos ensina Nosso Mestre Jesus.
Bons estudos!
Carla e Hendrio
Referências bibliográficas:
[1] HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque. “Novo Aurélio Século XXI”. Verbete Transfiguração.
[2] Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [online], 2008-2013, Verbete Trans- Disponíevl em: http://www.priberam.pt/dlpo/trans- .Consultado em 26-09-2013.
[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 2ª Parte, Cap. VII, Da bicorporeidade e da transfiguração. Itens 122, 123.
[4] KARDEC, Allan. A Gênese. Parte – Os Milagres. Cap. XIV – Os fluidos. Item 39.
[5] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questões 93 a 95.
[6] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 2ª Parte, Cap. VII, Da bicorporeidade e da transfiguração. Itens 100.
[7] KARDEC, Allan. A Gênese. Parte – Os Milagres. Cap. XIV – Os fluidos. Itens 7 a 12.
[8] KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 1ª Parte, Manifestações dos Espíritos. §3º Transfiguração, itens 22 e 23.
[9] KARDEC, Allan. A Gênese. Parte – Os Milagres. Cap. XV – Os milagres do Evangelho. Itens 43-44.
[10] XAVIER, F. C. “Missionários da Luz” Pelo Espírito André Luiz. 25ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1994, capítulo 9.
[11] XAVIER, F. C. “Os Mensageiros” Pelo Espírito André Luiz. 15ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1983, capítulo 24.
[12] XAVIER, F. C. “O Consolador”. Pelo Espírito Emmanuel. 18ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1997, Questão 310.

Ambiente espiritual

 

O que é o ambiente espiritual? Como ele pode ser influenciado e como ele nos influencia?

Allan Kardec nos esclarece em “A Gênese”:
“O pensamento do encarnado atua sobre os fluidos espirituais, como o dos desencarnados, e se transmite de Espírito a Espírito pelas mesmas vias e, conforme seja bom ou mau, saneia ou vicia os fluidos ambientes.”[1]
Assim, o pensamento é a forma de atuação no ambiente espiritual. Influem nele tanto os encarnados quanto os desencarnados, havendo transmissão de um a outro (Espírito a Espírito), através do fluido cósmico. E, conforme a sua natureza, de responsabilidade do Espírito (encarnado ou desencarnado) que emite esses pensamentos, pode sanear ou viciar o ambiente fluídico.
Sentimos isso no dia a dia. Um ambiente pesado, ainda que fisicamente se apresente asseado e organizado, e um ambiente salutar, que nos enche de alegria e bem estar, independente de como se apresenta o ambiente físico. Esse ambiente é criado e mantido pelos Espíritos que ali emitem seus pensamentos, dos dois lados da vida.
André Luiz, na obra “Missionários da Luz” [2], nos traz a orientação de Alexandre (grifos nossos):
“Primeiramente a semeadura, depois a colheita; e, tanto as sementes de trigo como de escalracho, encontrando terra propícia, produzirão a seu modo e na mesma pauta de multiplicação. Nessa resposta da Natureza ao esforço do lavrador, temos simplesmente a lei. Você está observando o setor das larvas com justificável admiração. Não tenha dúvida. Nas moléstias da alma, como nas enfermidades do corpo físico, antes da afecção existe o ambiente. As ações produzem efeitos, os sentimentos geram criações, os pensamentos dão origem a formas e consequências de infinitas expressões. E, em virtude de cada Espírito representar um universo por si, cada um de nós é responsável pela emissão das forças que lançamos em circulação nas correntes da vida. A cólera, a desesperação, o ódio e o vício oferecem campo a perigosos germens psíquicos na esfera da alma. E, qual acontece no terreno das enfermidades do corpo, o contágio aqui é fato consumado, desde que a imprevidência ou a necessidade de luta estabeleça ambiente propício, entre companheiros do mesmo nível. Naturalmente, no campo da matéria mais grosseira, essa lei funciona com violência, enquanto, entre nós, se desenvolve com as modificações naturais. Aliás, não pode ser de outro modo, mesmo porque você não ignora que muita gente cultiva a vocação para o abismo. Cada viciação particular da personalidade produz as formas sombrias que lhe são consequentes, e estas, como as plantas inferiores que se alastram no solo, por relaxamento do responsável, são extensivas às regiões próximas, onde não prevalece o espírito de vigilância e defesa.”
Destaquemos alguns pontos do texto para estudo:
  • “(...) antes da afecção existe o ambiente.” – Alexandre refere-se à presença de “bacilos de natureza psíquica” no ambiente espiritual. E que antes da contaminação, há a formação do ambiente adequado para o desenvolvimento de tais criaturas, através do tipo de pensamento emitido pelo encarnado.
  • “(...) cada um de nós é responsável pela emissão das forças que lançamos em circulação nas correntes da vida.” – A emissão de forças que lançamos nas correntes da vida, são nossos pensamentos e atos. Qual tem sido o teor preponderante dos nossos pensamentos? São pensamentos de harmonia, de gratidão, de esperança e otimismo? Ou são pensamentos de revolta, desânimo, cólera?
  • “(...) a imprevidência ou a necessidade de luta estabeleça ambiente propício, (...)” – Há situações que não podemos evitar – são os “escândalos” a que se refere nosso Mestre Jesus. E os bons Espíritos nos sustentam e auxiliam a atravessar esta e outras situações, com o equilíbrio possível. Porém, não existem apenas situações inevitáveis, devido a nossa necessidade de luta. Alexandre destaca a imprevidência. Ser imprevidente é ser desleixado, negligente. Mas imprevidência com o quê? No caso, refere-se ao ambiente. Sabemos que nosso pensamento influencia na natureza do ambiente. Se são pensamentos salutares, influenciamos positivamente. Se os pensamentos são de natureza inferior, viciam o ambiente, tornando-o propício para o desenvolvimento tanto de “bacilos de natureza psíquica”, que atingem os encarnados, quanto para a propagação de ideias malsãs, que podem encontrar quem se proponha a colocá-las em prática. Notemos que a influência pode ser boa ou má, dependendo da nossa vontade e nossa previdência ou imprevidência.
  • “(...) cultiva a vocação para o abismo.” – Essa expressão parece-nos indicar a tendência a destacar tragédia, pessimismo, desesperança, desânimo, em todas as situações. Cultivar a vocação para o abismo é buscar o lado negativo em cada ocorrência e permanecer nele, sem abertura para perceber a bondade e a previdência divina atuando ainda que de forma imediatamente compreensível para nós. A consequência do cultivo da vocação para o abismo é a criação e emissão de pensamentos de natureza perniciosa, que agravam as ocorrências negativas, gerando mais sofrimento e dificultando a transformação da situação por ações positivas, pela prece, pelo consolo, pelo foco na solução em vez do foco no problema.
  • “(...) espírito de vigilância e defesa.” – O conhecido “vigiai e orai” que Jesus nos recomendou (leia mais a respeito na postagem “Vigiai e Orai”, neste Blog). Se não vigiamos nossos pensamentos, muitas vezes nos deixamos levar pela onda de pessimismo e revolta e se não temos a postos o espírito de defesa, buscando, a princípio, preservar a nossa paz interior, na certeza de que Deus é Pai Bondoso e Justo, acabamos por não lutar por manter o ambiente salutar a nossa volta. Orar para estar em sintonia com a Espiritualidade Superior, capaz de sanear o ambiente com fluidos positivos e manter a nossa harmonia e vigiar, para, no momento do contato com os pensamentos negativos, repeli-los naturalmente com a atmosfera positiva que desejamos nos envolva sempre.

E como transformar o ambiente espiritual, tornando-o saudável? Mais uma vez nos orienta o Codificador [3]:
“O meio é muito simples, porque depende da vontade do homem, que traz consigo o necessário preservativo. Os fluidos se combinam pela semelhança de suas naturezas; os dessemelhantes se repelem; há incompatibilidade entre os bons e os maus fluidos, como entre o óleo e a água.
Que se faz quando está viciado o ar? Procede-se ao seu saneamento, cuida-se de depurá-lo, destruindo o foco dos miasmas, expelindo os eflúvios malsãos, por meio de mais fortes correntes de ar salubre. À invasão, pois, dos maus fluidos, cumpre se oponham os fluidos bons e, como cada um tem no seu próprio perispírito uma fonte fluídica permanente, todos trazem consigo o remédio aplicável. Trata-se apenas de purificar essa fonte e de lhe dar qualidades tais, que se constitua para as más influências um repulsor, em vez de ser uma força atrativa.”
Foto: Carla Engel
A transformação do ambiente desfavorável é explicada por André Luiz e pelo orientador Alexandre, no capítulo 5 da obra Missionários da Luz [4]:
“Notava, agora, a diferenciação do ambiente.
Para nós outros, os desencarnados, a atmosfera interior impregnava-se de elementos balsâmicos, regeneradores. Cá fora, porém, o ar pesava. Acentuara-se-me, sobremaneira, a hipersensibilidade, diante das emanações grosseiras da rua. As lâmpadas elétricas semelhavam-se a globos pequeninos, de luz muito pobre, isolados em sombra espessa.
Aspirando as novas correntes de ar, observava a diferença indefinível. O oxigênio parecia tocado de magnetismo menos agradável.
Compreendi, uma vez mais, a sublimidade da oração e do serviço da Espiritualidade superior, na intimidade das criaturas.
A prece, a meditação elevada, o pensamento edificante, refundem a atmosfera, purificando-a.
O instrutor interrompeu-me as íntimas considerações, exclamando:
─ A modificação, evidentemente, é inexprimível. Entre as vibrações harmoniosas da paisagem interior, iluminada pela oração, e a via pública, repleta de emanações inferiores, há diferenças singulares. O pensamento elevado santifica a atmosfera em torno e possui propriedades elétricas que o homem comum está longe de imaginar. A rua, no entanto, é avelhantado repositório de vibrações antagônicas, em meio de sombrios materiais psíquicos e perigosas bactérias de varia da procedência, em vista de a maioria dos transeuntes lançar em circulação, incessantemente, não só as colônias imensas de micróbios diversos, mas também os maus pensamentos de toda ordem.”
São ensinamentos que merecem a nossa meditação e reflexão. Como temos nos comportado em relação a emanação de pensamentos? Estaremos nós, também, cultivando “vocação para o abismo”? Ou já despertamos, esforçando-nos para “orar e vigiar”, mantendo o ambiente de prece e pensamentos saudáveis, cultivando o hábito da prece no lar, em nosso trabalho, em nosso ambiente de estudo e demais atividades, independente da religião que professamos?
Estamos convidados a participar ativamente na construção e manutenção de ambiente salutar, não só pelas atividades ecologicamente corretas às quais nos engajamos, seja cuidando do lixo, respeitando a água, mas também na emissão de pensamentos não poluentes, antes despoluidores da atmosfera espiritual negativa. Devemos ser agentes de mudança em nossa sociedade — mas de mudança para o bem, fazendo nosso melhor, debatendo o que requerer mudanças, mas jamais alimentando problemas com pensamentos e ações violentas. Nossos pensamentos e ações também são nossas obras. É Jesus quem nos convida:
Porque o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então dará a cada um segundo as suas obras.” (Mateus 16:27)
Leia também, neste Blog, as postagens “Vigiai e Orai”, “Influência do Meio”, “Fluido Universal” e “Falsos Cristos, falsos profetas e seus seguidores”.
Bons estudos! Bons pensamentos!
Muita paz!
Carla e Hendrio
Continue seus estudos, ouvindo os programas “Missionários da Luz”, capítulos 28 e 29, na página da Rádio Rio de Janeiro: http://www.radioriodejaneiro.am.br/?page_id=48031
[1] KARDEC, Allan. “A Gênese”. Capítulo XIV, item 18, trecho.
[2] XAVIER, Francisco Cândido. “Missionários da Luz”. Pelo Espírito André Luiz. Capítulo 4, trecho.
[3] KARDEC, Allan. “A Gênese”. Capítulo XIV, item 21, trecho.
[4] XAVIER, Francisco Cândido. “Missionários da Luz”. Pelo Espírito André Luiz. Capítulo 5, trecho.

Evolução Espiritual de Longo Prazo




Na obra “Loucura e Obsessão” [1], o médico Manoel Philomeno de Miranda questiona o Dr. Bezerra de Menezes sobre o contexto que levou um menino, denominado Aderson, a sofrer com o autismo. Em dado momento, Miranda pergunta ao Mentor:
“— E ele se curará?”
Tal questionamento chama a atenção acerca de o que consideramos cura. Sem uma noção mais ampla acerca do que seja a cura, podemos enfrentar a desencarnação de um ente querido e nos revoltar por tê-lo “perdido”, mesmo com nossas orações mais fervorosas.

Primeiramente, não “perdemos” ninguém, pois pessoa alguma é propriedade nossa. Consideremos, também, que a pessoa desencarnada não está perdida — está sempre ao alcance e amparo de seu Espírito protetor. Agora, analisemos a questão do termo “cura”.

No idioma latim, cura significa “cuidado”, “atenção”, “zelo”. A expressão latina medici cura, utilizada pelo enciclopedista
Aulus Celsus [2] no século I d.C., é traduzida por “cuidado médico”, começando aí a associação de “cura” com “tratamento da saúde”. O teólogo Leonardo Boff orienta [3] que cura, cuja forma latina mais antiga se escrevia coera, “era usada num contexto de relações de amor e de amizade. Expressava a atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por um objeto de estimação”.

Atentando para o significado original de “cura”, pode-se concluir que “curar-se” significa “cuidar de si” — ou seja, darmos atenção à nossa essência. E qual a nossa essência: somos um corpo ou um Espírito temporariamente animando um corpo? Independente de sermos espiritualistas ou materialistas, todos somos Espíritos imortais, e não meros conjuntos de genes e tecidos que se agruparam “por acaso” e desaparecerão quando nosso corpo carnal não mais tiver vida.

Neste sentido, “curar-se” não é um cuidado que outros possam prestar a nós, mas sim uma atenção e evolução íntimas, de dentro para fora. Curar-se é, por meio de boas obras, orientadas ao Bem de nosso semelhante, fazermos as pazes com nossa consciência, local onde se encontram as Leis Divinas, conforme citado à questão 621 de “O Livro dos Espíritos” [4]. Cuidar bem de nós mesmos implica dar atenção à nossa evolução espiritual, em vez de um foco apenas material. É nos amarmos de fato, nos permitindo evoluir moral e intelectualmente. Sabendo nos amar e nos respeitar, aprendemos a amar e respeitar nossos semelhantes.

Uma só vida corporal, usualmente não muito mais do que 100 anos terrestres, não nos permite aprender tudo que há de lições morais e intelectuais na Terra. Como não há seres privilegiados na Criação, Deus nos oferta a bênção da pluralidade de existências corpóreas, uma série de “provas sem consulta”, ou com consulta limitada ao Plano Espiritual, para aferirmos a aquisição de conhecimentos morais e intelectuais cada vez mais elevados, aprendidos nas encarnações e nos períodos entre as mesmas.

Assim nos orientam os Espíritos da falange do Consolador, às questões 166, 166-a e 167:
166. Como pode a alma, que não alcançou a perfeição durante a vida corpórea, acabar de depurar-se?
“Sofrendo a prova de uma nova existência.”
a) — Como realiza essa nova existência? Será pela sua transformação como Espírito?
“Depurando-se, a alma indubitavelmente experimenta uma transformação, mas para isso necessária lhe é a prova da vida corporal.”

167. Qual o fim objetivado com a reencarnação?
“Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade. Sem isto, onde a justiça?”

A vitória sobre um mau hábito; a aquisição de uma virtude; a reparação de um erro e todas conquistas espirituais podem não ser visualizadas em sua plenitude no breve tempo de uma existência corpórea. Isso não significa que a evolução não exista ou não esteja em progresso.
 
Um exemplo de processo de superação de uma ofensa recebida, ao longo de um de cinco reencarnações e quatro períodos na erraticidade (tempo entre reencarnações). Podemos superar dificuldades em muito menos etapas; só depende de nós.

Plantando em bom terreno e cuidando bem da semente, em algumas décadas, teremos uma árvore. Não veremos de imediato, na semente, a árvore: precisamos cuidar da semeadura e aguardar, com fé e perseverança. Semeando valores nobres em todas as provas de nossas vidas, em algumas décadas, ou talvez em alguns séculos ou milênios (tempo muito pequeno em comparação aos ciclos de vida do Universo), teremos atingido patamares de maturidade espiritual que, de imediato ou em alguns poucos anos, não teríamos condições de vislumbrar ou valorizar.

O próprio Universo se transforma e evolui ao longo de trilhões de anos, em ciclos de expansão e retraimento. Somos parte dessa Criação, e também somos fadados a nos transformar e evoluir ao longo de incontáveis ciclos de idas e vindas a planos de matéria densa e sutil. Como lemos em “O Livro dos Espíritos” (por exemplo, às questões 194, 365 e 781), jamais regredimos. O que parece um retrocesso é, antes, um ponto de melhoria antes desconhecido, ou que não tínhamos disposição e/ou maturidade para tratar.

Assim, sempre é tempo de recomeçar, aprender, evoluir. Instruídos à questão 195 de “O Livro dos Espíritos”, compreendemos ser um erro adiar para outro tempo o que nos caiba fazer agora. Mesmo assim, em qualquer época de nossas vidas, temos condições de, ao desejarmos algo aprender ou ao constatarmos um erro cometido, iniciar nosso plano de curto, médio e longo prazo para essa apreender essa lição.

Vejamos algumas lições do Espírito São Luís acerca do arrependimento, à questão 1007 de “O Livro dos Espíritos” e na obra “O Evangelho Segundo o Espiritismo”:
Haverá Espíritos que nunca se arrependem?
‘Há os de arrependimento muito tardio; porém, pretender-se que nunca se melhorarão fora negar a lei do progresso e dizer que a criança não pode tornar-se homem.’” [4]

“Sei bem haver casos que se podem, com razão, considerar desesperadores; mas, se não há nenhuma esperança fundada de um regresso definitivo à vida e à saúde, existe a possibilidade, atestada por inúmeros exemplos, de o doente, no momento mesmo de exalar o último suspiro, reanimar-se e recobrar por alguns instantes as faculdades! Pois bem: essa hora de graça, que lhe é concedida, pode ser-lhe de grande importância. Desconheceis as reflexões que seu Espírito poderá fazer nas convulsões da agonia e quantos tormentos lhe pode poupar um relâmpago de arrependimento.” [5]

A constatação de um ponto a melhorar, e o consequente arrependimento por um proceder inadequado, são os primeiros passos para nossa evolução. Contudo, apenas o arrependimento, em si, não soluciona a questão. Por mais sincero seja o arrependimento, e por mais intensa a fé abraçada, se não houver obras, ou seja, ações objetivas em prol do Bem de nosso semelhante, motivadas pelo aprendizado na nova atitude, não consolidaremos nosso aprendizado e nosso amadurecimento. Lemos à questão 1002 de “O Livro dos Espíritos”:
Que deve fazer aquele que, em artigo de morte, reconhece suas faltas, quando já não tem tempo de as reparar? Basta-lhe nesse caso arrepender-se?
‘O arrependimento lhe apressa a reabilitação, mas não o absolve. Diante dele não se desdobra o futuro, que jamais se lhe tranca?’”

O que a constatação de um erro, cometido por nós ou contra nós, não pode trazer, são as angustiantes e improdutivas emoções do remorso e da revolta. Essas são verdadeiras barreiras à nossa evolução, por impedirem, respectivamente, de perdoarmos a nós mesmos e ao nosso semelhante. Novamente, é uma questão de bem cuidar, ou seja, de curar a nós e o próximo.

Em dois trechos da brilhante obra “Evolução em Dois Mundos”, André Luiz ilustra o severo impacto negativo que o remorso traz ao nosso mundo íntimo:
“Obliterados os núcleos energéticos da alma, capazes de conduzi-la às sensações de euforia e elevação, entendimento e beleza, precipita-se a mente, pelo excesso da taxa de remorso nos fulcros da memória, na dor do arrependimento a que se encarcera por automatismo, conforme os princípios de responsabilidade a se lhe delinearem no ser, plasmando com os seus próprios pensamentos as telas temporárias, mas por vezes de longuíssima duração, em que contempla, incessantemente, por reflexão mecânica, o fruto amargo de suas próprias obras, até que esgote os resíduos das culpas esposadas ou receba caridosa intervenção dos agentes do amor divino, que, habitualmente, lhe oferecem o preparo adequado para a reencarnação necessária, pela qual retomará ao aprendizado prático das lições em que faliu.” [6]

“A recordação dessa ou daquela falta grave, mormente daquelas que jazem recalcadas no espírito, sem que o desabafo e a corrigenda funcionem por válvulas de alívio às chagas ocultas do arrependimento, cria na mente um estado anômalo que podemos classificar de ‘zona de remorso’, em torno da qual a onda viva e contínua do pensamento passa a enovelar-se em circuito fechado sobre si mesma, com reflexo permanente na parte do veículo fisiopsicossomático ligada à lembrança das pessoas e circunstâncias associadas ao erro de nossa autoria.
(...)
É assim que o remorso provoca distonias diversas em nossas forças recônditas, desarticulando as sinergias do corpo espiritual, criando predisposições mórbidas para essa ou aquela enfermidade, entendendo-se, ainda, que essas desarmonias são, algumas vezes, singularmente agravadas pelo assédio vindicativo dos seres a quem ferimos, quando imanizados a nós em processos de obsessão. Todavia, ainda mesmo quando sejamos perdoados pelas vítimas de nossa insânia, detemos conosco os resíduos mentais da culpa, qual depósito de lodo no fundo de calma piscina, e que, um dia, virão à tona de nossa existência, para a necessária expunção, à medida que se nos acentue o devotamento à higiene moral.” [7]

Preciosos relatos de autores espirituais nos informam sobre o lento e gradual processo de evolução, para aprendizado e reparação de erros, que se opera ao longo de diversos processos reencarnatórios. Além da obra “Evolução em Dois Mundos”, acima citada, relacionamos, a título de exemplos, as obras “Entre a Terra e o Céu” e “Memórias de um Suicida”, referidas na postagem “
Considerações sobre o Aborto Espontâneo”, neste blog.

A lentidão de tais processos de reforma íntima não se deve a nenhuma morosidade do Plano Espiritual, mas às nossas próprias limitações em estudar, apreender e aplicar novas lições, especialmente no campo da evolução moral. Dispomos de muitos bons exemplos de dedicação ao próximo para seguir e acelerar nossa melhoria. Allan Kardec, à questão 625 de “O Livro dos Espíritos”, pergunta qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo, recebendo a resposta mais breve e, talvez, mais profunda da referida obra: Jesus. Não se trata de nenhum ato de fanatismo, mas de fé raciocinada. Exemplificando a caridade incondicional e o desapego à vida material, Jesus nos apresenta um roteiro lógico e exequível de amadurecimento espiritual. Relembrando o versículo 06 do
Salmo 82 e indo além, Jesus nos orienta:
“Não está escrito na vossa Lei: Eu disse que vós sois deuses?” (João 10:34)

“Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, esse fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores (...)” (
João 14:12)

Podemos, agora, compreender melhor por que Bezerra de Menezes respondeu à questão citada ao início desta postagem, no livro “Loucura e Obsessão”, nos seguintes termos:
“— Os desígnios de Deus — respondeu, reflexionando — são inescrutáveis. Caso não recupere todas as suas funções, para a atual existência, melhorará as condições para os próximos cometimentos. Deveremos examinar a Vida sob o ponto de vista global e não angular, de uma única experiência física, como a atual. Da mesma forma que vamos buscar as origens dos males de hoje no passado do Espírito, é justo que pensemos na sua felicidade em termos de amanhã, considerando o presente como sendo uma ponte entre os dois períodos e não a situação única a vivenciar. Destas atitudes resulta o porvir com todas as suas implicações. Assim, lancemos para amanhã os resultados do esforço de agora.” [1]